Árvores alimentícias no espaço urbano público

Flavio Telles mostrando uma árvore frutífera na Avenida Borges de Medeiros. Foto do autor

Antigamente as pessoas queriam plantar árvores exóticas, mas hoje preferem espécies nativas”, diz Flavio Telles, apontando para algumas casuarinas antigas. Nos encontramos na Lagoa e caminhamos até uma faixa de 2 km de árvores frutíferas recentemente plantadas no meio da Avenida Borges de Medeiros. Flavio, engenheiro florestal, trabalhou na Fundação Parques e Jardins (FPJ) durante 33 anos. A FPJ, vinculada à Secretaria Municipal de Meio Ambiente(SMAC) é responsável pelo plantio de espaços públicos no Rio de Janeiro.

As árvores comuns de rua no Rio são atualmente espécies exóticas (Pedreira, 2015). Casuarina equisitifolia é uma das espécies exóticas mais abundantes e atualmente proibidas de serem plantadas nas ruas do Rio. Flávio explica: “O arquiteto projetou as casuarinas em meados do século XX. Elas começaram a morrer há muito tempo, elas têm 60 anos. Esta árvore vem da Austrália, no Rio ela invade a vegetação natural das áreas de frente para o mar, conhecida como restinga. É importante removê-la”. Árvores invasoras antigas, como a casuarina, são consideradas problemáticas porque representam um risco à segurança dos moradores urbanos e reduzem a biodiversidade ao afastar a vegetação nativa. Segundo Flavio, várias árvores frutíferas também foram consideradas invasoras: “Jambolão ou jamelão é uma espécie exótica e apresenta problema semelhante ao da jaqueira porque invadem áreas naturais”.

Ainda é comum entre os conservacionistas distinguir entre espécies nativas inofensivas e exóticas invasoras. Espécies exóticas são características da história do Brasil. Sua presença é conhecida desde o século 18, quando gramíneas africanas foram registradas em pastagens próximas ao Rio de Janeiro (Zenni & Ziller, 2012). Vários urbanistas e jardineiros as introduziram na cidade do Rio durante o período colonial e após. Por exemplo, no século 18, o urbanista Valentim da Fonseca e Silva usou muitas árvores frutíferas exóticas em seus desenhos simétricos e formais, incluindo mangueira e jaqueira (Fundação Parques e Jardins, 2015). A jaqueira é uma das muitas espécies que os cariocas consideram nativas, mas na verdade é estrangeira.

A linguagem ao falar sobre espécies invasoras é muitas vezes problemática. Sophie Yeo publicou recentemente um ensaio em que compara a linguagem das espécies invasoras à linguagem xenófoba usada para descrever os imigrantes – espécies são “invasoras, descontroladas e agressivas” (Sim, 2020), bem como uma ameaça às plantas e animais nativos do país. Furtado, cofundador da organização Mão na Jaca (Mão na Jaca), comenta uma experiência semelhante em relação à jaca: “A história carrega a jaca de preconceito. Hoje ouvimos falar da jaca que fede… da jaca violenta, da jaca invasora, é verdade: a jaca se adaptou muito bem. Então, todo mundo que se adaptou bem ao Brasil deve ser exterminado?” (Faturador, 2021).

Jaca. Foto do autor

Existem várias espécies exóticas que se adaptaram ao clima brasileiro e não representam um problema para a vegetação nativa. Flavio elabora: “Tanto o tamarindo quanto a mangueira são exóticos da Índia, onde o clima é semelhante. Não são invasivos, então é bom”. O biólogo Mark Davis argumenta que não é útil “tentar restaurar os ecossistemas a algum estado histórico ‘legítimo’” (Davis et al., 2011). Em vez disso, cientistas, gestores de terras e formuladores de políticas devem adotar abordagens mais dinâmicas e pragmáticas para a conservação e manejo de espécies que sejam apropriadas à nossa atual situação global de introdução de espécies e mudanças climáticas. Isso significaria incluir espécies introduzidas nos planos de projeto e manejo, em vez de tentar alcançar o objetivo muitas vezes impossível de erradicá-las [1].

Nas áreas urbanas, as jacas são frutas gratuitas para pessoas que nem sempre têm acesso a elas. Segundo a chef Regina Tchelly, que comanda o projeto culinário Favela Orgânica, a jaca pode acabar com a fome do brasileiro porque é muito abundante e contém muitos nutrientes (Biller, 2021). Pelos principais especialistas em segurança alimentar, a jaca foi recentemente chamada de ‘fruto milagroso’. Danielle Nierenberg, presidente do Food Tank, afirma que “[A jaca] é fácil de cultivar. Ela sobrevive a pragas e doenças e a altas temperaturas. Alcança o que os agricultores precisam na produção de alimentos ao enfrentar muitos desafios sob as mudanças climáticas” (TFNET, 2014). Se o Brasil quiser aproveitar essa oportunidade, terá que investir em modelos de produção de jaca verde para alcançar escala e impacto, e apoiar os empresários da jaca na transformação da percepção negativa ou da falta de conhecimento da jaca (Weintraub et al., 2022).

Sabe-se também que a jaca e outras espécies só se tornam invasoras onde o solo está degradado. Seria, portanto, produtivo mudar o foco de espécies invasoras como o problema para os distúrbios induzidos pelo homem que estão subjacentes e que causam a proliferação das invasões biológicas. Para mitigar esses distúrbios em um contexto urbano, é necessário pensar em termos de resiliência do ecossistema. A jaqueira tornou-se parte integrante do ecossistema da Mata Atlântica no Rio de Janeiro: muitas espécies de animais e insetos dependem da fruta para sua sobrevivência. Portanto, uma remoção radical pode causar desequilíbrios no ecossistema. Um manejo gradual e cuidadoso do tipo “comer para vencer” pode controlar a propagação da espécie ao consumir o fruto (Weintraub et al., 2022).

Faixa de árvores frutíferas em plena Avenida Borges de Medeiros. Foto do autor

A faixa de 2 km de árvores frutíferas que Flavio me mostra é composta por árvores solitárias, crescendo em pequenas áreas cortadas cercadas por superfícies vedadas. Tenho a impressão de que os plantios da Fundação Parques e Jardins se concentram principalmente nas espécies individuais e não na interação. Quando pergunto a Flavio o porquê, ele explica que árvores grandes e solitárias são preferidas em áreas públicas por questões de violência: “Muitas vezes acontece que os transeuntes quebram ou danificam partes das plantas. Por muito tempo, a Fundação plantava árvores pequenas, mas agora usamos árvores de 2,5 metros de altura e a violência caiu 30%”.

Obviamente, as considerações de segurança devem ser levadas em consideração ao plantar árvores em áreas urbanas. Flavio destaca que a árvore bala de canhão, conhecida por seus frutos pesados ​​e parecidos com canhão, muitas vezes causa problemas quando plantada nas ruas: “Imagine as frutas caindo na sua cabeça. Tem geleia dentro das frutas grandes que os animais gostam de comer, mas o cheiro não é bom”. Árvores com raízes grandes podem danificar as infraestruturas subterrâneas e árvores frutíferas com polpa muito pegajosa podem criar problemas de corrosão para os proprietários de automóveis.

Árvore de bala de canhão. Foto do autor

Durante minha conversa com o Flavio, percebi que há muitos aspectos a serem considerados ao plantar em áreas públicas. Esta é provavelmente a razão pela qual apenas a Fundação Parques e Jardim tem permissão de plantar nestas áreas. O Plano Diretor de Arborização Urbana do Rio de Janeiro – um novo e abrangente documento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente – fornece uma visão geral desses muitos aspectos. Este plano diretor “estabelece as diretrizes necessárias para uma política de implantação, monitoramento, avaliação, conservação e ampliação da arborização urbana” (Fundação Parques e Jardins, 2015). Flavio foi coautor com outros cientistas aplicados e me diz que partes dele já foram implementadas.

Este plano também se concentra em espécies individuais. Há um capítulo inteiro compilando a opinião de diferentes especialistas sobre as espécies mais adequadas e inadequadas para a cidade do Rio. As espécies mais indicadas são principalmente espécies nativas do Brasil, algumas delas da Mata Atlântica. As espécies mais inadequadas são as árvores com frutos grandes e as frutíferas em geral. Isso coincide com os resultados de um estudo que analisou 58 Planos Diretores de Arborização Urbana em diferentes cidades brasileiras: O consumo humano de alimentos não é um objetivo primordial do planejamento florestal urbano (Vannozzi Brito & Borelli, 2020). Em vez disso, a conservação de espécies nativas não comestíveis é a principal preocupação.

Em contraste, outro estudo descobriu que as espécies comestíveis nativas do Brasil têm um potencial muito alto para a arborização urbana e não apenas contribuem para a segurança alimentar humana, mas também fornecem abrigo e alimento para a vida selvagem (Brun et al., 2019). Flavio também prefere plantar árvores frutíferas – nativas e com pequenos frutos que fazem bem às crianças e animais diversos, sem causar acidentes quando caem na rua.

Árvore da rua com falta de espaço. Fotos do PDAU.

Nas áreas urbanas do Rio, as árvores enfrentam uma série de obstáculos: redes elétricas, entradas de casas, falta de espaço e visco entre outros. Elas são frequentemente abandonadas à própria sorte, pois raramente são cuidadas e existem poucas espécies companheiras [2].

No entanto, aos olhos dos moradores da cidade, essas árvores também causam muitos problemas. Poda de árvores, remoção e risco de queda de árvores foram citados pelos cidadãos em 2014 como os serviços e problemas mais criticados (Fundação Parques e Jardins, 2015). Flavio explica que as pessoas têm opiniões diferentes sobre a arborização urbana dependendo de sua situação de vida: “As pessoas das áreas mais pobres, principalmente da Zona Norte do Rio, pedem para cortar as árvores de seus bairros porque acham que as árvores causam danos, lixo e bloqueiam a luz. As pessoas das áreas mais ricas, por outro lado, dizem: ‘Não cortem as árvores!’”. A razão também pode ser que bairros com maior índice de renda média recebem melhores serviços do município, incluindo ruas com mais árvores, do que bairros mais pobres, mais novos e mais periféricos (dos Santos et al., 2010). Segundo dos Santos, o número de árvores, aliado às características geomorfológicas da cidade, afetam o microclima dos bairros. No Distrito Sul – área com maior índice médio de renda – o clima é agradavelmente resfriado pela brisa do mar e pelo Parque da Tijuca. No entanto, os Parques da Tijuca e da Pedra Branca impedem que a brisa do mar atinja os bairros Norte e Oeste da cidade, cuja cobertura arbórea não é suficiente para resfriá-los.

Mapa de Temperatura Máxima da Superfície Continental (CSS) para o período de 1984 a 2010 na cidade do Rio de Janeiro (planejamento de áreas e bairros). Mapa do PDAU.

O objetivo do PDAU é “melhorar a qualidade de vida e promover a sustentabilidade ambiental” (Fundação Parques e Jardins, 2015). Isso só pode ser alcançado se as árvores forem plantadas e mantidas também nas comunidades dos bairros mais pobres e periféricos. Outro estudo comparando formas verticais de gestão de ecossistemas com outras baseadas na comunidade descobriu que a educação e a participação pública efetiva são fundamentais para a conservação e promoção da biodiversidade urbana a longo prazo. (Herzog & Finotti, 2013).

A educação também parece ser importante na prevenção do vandalismo contra as árvores da rua e na valorização da jaca como fonte alternativa de alimento saudável. Se nós, como humanos, reconhecêssemos o valor das árvores urbanas como espécies companheiras, buscaríamos melhorar suas vidas na cidade. Isso significaria níveis mais altos de saúde e resiliência para pessoas e plantas. Para obter um exemplo inspirador de desenvolvimento urbano multiespécies e aprendizado comunitário, a Fundação Parques e Jardins deveria visitar a horta Dja Guata Porã.

Notas
  1. Por exemplo, no Parque Nacional da Tijuca, “entre 2000 e 2005, cortaram 1.571 árvores e plantaram outras 813, além de arrancar quase 40.000 mudas, sem eficácia comprovada em termos de redução real das populações de jaca no parque”(Cabral et al., 2020).
  2. Espécies companheiras podem ser plantas, animais e outros componentes que trabalham juntos para ajudar e garantir sua saúde e produtividade.
Referências

Realização

Produção