É possível pensar floresta sem agricultura? Onde estão as agriculturas na cidade? E onde está a arte na agricultura? Na luta pela terra? Na luta pela agroecologia? Na luta por saúde? Como a arte pode apoiar processos de produção de conhecimentos emancipatórios, afirmadores da vida – e, por isso, produtores de saúde? 

A partir dessas questões disparadoras, o Manto do Recolhimento foi criado como experimentação prévia a um ciclo de oficinas de artes plásticas organizado pela artista no Morro da Providência (RJ). Durante a Residência, outro manto foi elaborado junto às mulheres e crianças da Providência, como parte do trabalho que realizo na organização Providência Agroecológica. Juntos, compõem uma série de mantos iniciada em 2022.

Condensador de dicotomias, o manto protege e revela, camufla e atrai, abriga e expõe. É roupa, como nos apresentamos ao mundo: as identidades que a gente assume e vai mobilizando na relação com o mundo. Convida à possibilidade da gente ir se vestindo e se despindo. Convida ao sonho, já que muitas imagens do manto vieram de sonhos, cujos conteúdos foram anotados e selecionados diariamente durante a Residência. 

Convida, ainda, a essa possibilidade de vida que é a agricultura, em sua sacralidade tão humana. O Manto do Recolhimento é inspirado na agricultura urbana. Tudo que chamamos floresta, dentro e fora da cidade, são um presente ancestral, da agricultura, do manejo feito por gente que veio antes de nós, que hoje chamamos “povos tradicionais”. 

Encontrar meios para a subjetividade ser expressa ainda parece ser uma coisa muito importante. Por isso, a necessidade de compartilhar em um ciclo de oficinas a potência transformadora da arte. A proposta se conecta também à minha pesquisa do doutorado em Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) sobre a produção de conhecimentos conectando arte, agricultura urbana e saúde coletiva. 

Da dupla posição de artista visual e pesquisadora, investigo a arte na sua vocação de intervir na prática social. Uma ética da produção é sempre trazida à tona em meu processo de criação, para realizar um humano – no sentido dado por Paulo Freire, de humano como a dimensão de união amorosa entre a crítica e a beleza. Criticidade e boniteza de mãos dadas, em diálogo, e em dança. A criticidade (entendida como um viver político) unida à boniteza, entendida como um jeito de viver com os outros, em diálogo sensível, emocionado, esperançoso e utópico.