GRANDES SENHORAS
O olho por onde
eu vejo Deus
É o mesmo olho por onde Ele me vê
Waly Salomão
O candomblé e as divindades, às quais chamamos de Orixás, estão intimamente ligadas à natureza e são parte integrante dela. De acordo com um importante ensinamento Iorubá “Kó si ewé, kó sí Òrìsà”, aprendemos que “sem folhas não há Orixá”, ou seja, as folhas, as florestas e as ervas são elementos determinantes para a manutenção e a continuidade dos cultos e ritos desta expressão religiosa. De acordo com a cosmogonia do candomblé, cada divindade possui suas ervas características e cada uma delas, a sua maneira, está associada a elementos da natureza, contudo apenas uma delas detém o conhecimento mais profundo das ervas e de como acordá-las e potenciá-las para as mais variadas formas de cura física e espiritual. Esse grandioso Orixá atende pelo nome de Ossain, o senhor das folhas, da ciência e dos mistérios da vida. É por ele e para ele que este trabalho é destinado.
Grandes Senhoras é uma experimentação e investigação que não se encerra aqui e que até o presente momento vem sendo construída numa linguagem fronteiriça – a qual tenho me sentido cada vez mais confortável em estar e conjugar – que busca abarcar elementos das artes visuais, da antropologia e do cinema, campos de estudo que me constituem enquanto artista e pesquisadora. O presente projeto se desenhou a partir dos ensinamentos difundidos pelos saberes tradicionais, metafísicos e poéticos de duas grandes pensadoras do candomblé chamadas Ebomi Cici de Oxalá e Mãe Celina de Xangô. A elas sou eternamente grata por me permitirem estar em suas presenças e vislumbrar suas imensidões.
Ebomi Cici de Oxalá, uma das vozes mais respeitadas do candomblé no Brasil, nasceu no Rio, mas elege a Bahia como morada ainda na juventude e por lá inicia sua travessia espiritual e profissional. Trabalhou junto ao antropólogo Pierre Verger, enquanto pesquisadora, o auxiliando a organizar grande parte de seu acervo fotográfico. Para além desta importante contribuição, Ebomi Cici de Oxalá, desenvolve dentro e fora do Brasil um importante trabalho de manutenção e transmissão oral dos saberes tradicionais do candomblé e das mitologias dos Orixás. Mãe Celina de Xangô, importante intelectual e Yalorixá da cidade do Rio de Janeiro, desenvolve um precioso mapeamento dos usos sagrados e curativos das ervas sagradas do candomblé. Trabalho que vem sendo difundido há alguns anos dentro e fora do país com as oficinas “O Poder das Ervas”, que se resultou recentemente na publicação de um livro escrito por ela e de mesmo nome.
Grandes Senhoras é um trabalho que preza pela artesania, pela escuta e pelo processo e compreende que o aprendizado e a compreensão dos mistérios não se encerra aqui. A gestação deste aceno fílmico e afetivo a Ossain desaguará em novas matas, águas e descobertas. Que as fronteiras – espaço que me sinto cada vez mais achada de mim – e os mistérios continuem me deslocando de lugar e ensinando com a generosidade a qual venho sendo abraçada pelas forças visíveis e invisíveis que me cercam. Por entre avenca, feto e taquara poca, no seio-limo da mata ciliar, te saúdo: Euê uassá!
Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem festa
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada
Maria Bethânia – Salve as Folhas
GRANDES SENHORAS
14′ | 2022 | Digital | Rio de Janeiro e Bahia, RJ e BA
FICHA TÉCNICA
direção e roteiro: Milena Manfredini
direção de fotografia: Antoine d’Artemare
assistente de câmera: Omar Ugelli
técnico de som: Marcello Benedictis, Kalebe Nascimento
produção e pesquisa: Milena Manfredini
montagem: João Araió
desenho de som: Ricardo Mansur
correção de cor: Tomás Magariños
MILENA MANFREDINI
é cineasta, antropóloga, artista visual e curadora independente. Graduou-se em Antropologia pela PUC-Rio e em Cinema pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Atualmente realiza sua pesquisa de mestrado no programa de Cultura e Territorialidades da UFF, na linha Fronteiras e Produção de Sentidos. Dirigiu e roteirizou os filmes “Eu Preciso Destas Palavras Escrita” (2017); “Camelôs” (2018); “Guardião dos Caminhos” (2019); “De um lado do Atlântico” (2020) filme idealizado a convite do Instituto Moreira Salles para a chamada IMS Convida; “Mãe Celina de Xangô” (2021) e “Grandes Senhoras” (2022), filme desenvolvido como desdobramento da Residência Artística do Goethe-Institut.
Tem participado de residências artísticas e produzido videoartes para museus. Recentemente esteve com 4 trabalhos comissionados pelo MAR – Museu de Arte do Rio, na exposição “Crônicas Cariocas”. Atua como curadora em mostras e festivais de cinema e é idealizadora e curadora da Mostra de Cinema Narrativas Negras, projeto voltado à pesquisa, exibição e visibilização das filmografias negras. Também exerce as funções de pesquisadora, professora e consultora no campo audiovisual.
Realização
Produção